Quais os focos do pacote anticrime proposto por Sérgio Moro? O pacote é robusto e eficiente no combate ao crime ou ainda há espaço para discussão?
ENTENDA
- O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, apresentou em fevereiro deste ano um pacote de propostas organizadas em 19 objetivos que visam enfrentar três questões centrais: a corrupção, o crime organizado e os crimes violentos. Para o ex-juiz federal, os três problemas estão interligados.
- Com foco no combate à corrupção, presos por este tipo de crime não poderão mais ser beneficiados por regime semiaberto se tiverem sido condenados por regime fechado em um primeiro momento. Também deverá ser tipificado o crime de caixa dois, com pena de 2 a 5 anos.
- Para evitar que chefes de facções criminosas já em presídios municipais e estaduais enviem ordens por meio de parentes de amigos, é possível que eles fiquem detentos em presídios federais de celas de segurança máxima.
- No combate a crimes, poderá ser acrescentado ao texto atual que o juiz deve negar liberdade provisória se verificar que o preso é reincidente, exceto se o delito for muito leve. Quanto a casos de legítima defesa, se ela for aplicada “no decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”, a pena poderá ser reduzida pela metade ou poderá até não ser aplicada. É aí que entra o excludente de ilicitude: com ele, um cidadão que cometer um crime “em legítima defesa” terá uma maior margem para argumentação, porque a definição do termo ficará mais subjetiva no texto da lei.
- Moro também propõe mudanças em relação ao entendimento de organização criminosa. A sugestão do texto da lei inclui a citação de nomes de facções conhecidas, tais como o PCC (Primeiro Comando da Capital), Comando Vermelho, Família do Norte, Terceiro Comando Puro, Amigos dos Amigos e Milícias.
- “O pacote anticrime carece de embasamento teórico suficiente, de análise de impacto social e de uma efetiva construção democrática, configurando-se ineficaz” é assim que as defensorias públicas do RJ e SP, IDDD e o Ibccrim definem as propostas presentes no pacote de Moro. Renato de Vitto, defensor público de São Paulo, acredita que as alterações atingem os grupos sociais mais vulneráveis: negros, pobres e periféricos, mas não nega a necessidade de combate ao crime no Brasil, embora acredite que a solução para isso não seja um conjunto de propostas que trarão o endurecimento e aumento de penas.
- A socióloga Jaqueline Sinhoreto comenta sobre o que fica subentendido com a aplicação do excludente de ilicitude, prevista no pacote: “O que Moro está dizendo é que policiais agem no susto, no medo ou na emoção violenta. Isso é ir contra a tecnificação e profissionalização da polícia. É negar o rigor técnico e a gestão das emoções que um policial precisa ter para exercer seu trabalho”, afirma.
- Samira Bueno, diretora-executiva do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), acredita que uma política de segurança séria estaria pensando na qualidade de trabalho e de vida dos policiais, uma vez que “um policial tem três vezes mais chance de morrer do que qualquer outro cidadão”. Samira observa que o pacote anticrime “irá promover mais crimes provocados pela polícia, já que tem muito da ideia do ‘bandido bom é bandido morto’”.
- Em editorial, o jornal curitibano Gazeta do Povo elogia o pacote anticrimes de Moro e o define como “robusto e abrangente”. Segundo o veículo, a parte do pacote que visa a garantir a efetividade dos processos se mostra a mais importante e necessária atualmente.
- É também elogiada a proposta de incluir no Código de Processo Penal (CPP) a possibilidade de início de cumprimento da pena após a condenação de segunda instância. O editorial afirma que “a decisão de Moro de cristalizar o entendimento do Supremo por meio de uma alteração no CPP, e não da Constituição, é um acerto estratégico”, uma vez que o STF já reconhece a condenação em segunda instância como constitucional, o que tornaria desnecessária a criação de uma PEC, segundo o jornal.
- O editorial espera que, ao ser apresentado ao Congresso Nacional, o pacote gere discussões mais amplas, esclarecendo pontos e removendo eventuais arestas, sem “desidratar ou desfigurá-lo”. O pacote de Moro, para o jornal, simboliza o início de uma luta que será decisiva “para fazer do Brasil um país onde a violência e a corrupção deixem de ser mazelas nacionais […]”.
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- A reportagem avalia que o pacote anticrime de Moro tem maior chance de aprovação se comparado às 10 medidas contra corrupção, apresentadas em 2016 pelo Ministério Público Federal. O texto não chegou a ser votado no Senado, que devolveu o projeto à Câmara.
- Analistas afirmam que as 10 medidas “trazia medidas e propostas rechaçadas por juristas”, além de ter sido feito no clamor da Lava Jato. Além disso, reconhecem que o pacote anterior veio mais fechado do que o anticrimes: “Hoje, a disposição para o diálogo será mais evidente”, observa o advogado Murilo Aragão. Apesar de reconhecer que o Congresso está alinhado com o debate de mudanças, Murilo acredita que isso não significa que todas as propostas serão aprovadas.
- Uma das mudanças que deve ser debatida se refere à presunção de inocência de policiais que matarem em serviço. A advogada Fernanda Carneiro cita o aumento de tempo de prisão para acusados de crimes hediondos e afirma: “A questão carcerária não regenera ninguém. Precisa haver mudança profunda do regime, com ressocialização do preso”.