O que motiva os cortes em filosofia e sociologia? O retorno financeiro e cultural compensa? É uma escolha legítima e necessária?
ENTENDA
- O presidente Jair Bolsonaro anunciou, em postagem do dia 26 de abril em seu perfil no Twitter, a intenção do Ministério da Educação de “descentralizar o investimento em faculdades de filosofia e sociologia”, com o objetivo “de focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte, como veterinária, engenharia e medicina”.
- Na mesma semana, o ministro da educação Abraham Weintraub, em uma transmissão ao vivo via Facebook junto a Bolsonaro, diz achar que “a função do governo é respeitar o dinheiro do pagador de imposto” e usa o exemplo do Japão para ilustrar a possível mudança na distribuição de recursos para faculdades de humanas. Weintraub afirma que o país asiático “está tirando dinheiro público do pagamento de imposto” para as faculdades de filosofia, e que “ele [Japão] coloca em faculdades que geram retornos de fato, enfermagem, veterinária, engenharia, medicina” e dá a entender que pretende repetir o caso japonês no Brasil.
- Segundo o Censo da Educação Superior, as universidades públicas brasileiras oferecem ao todo 72 cursos de ciências sociais, com 10.035 alunos matriculados, e 38 de filosofia, com 4.094 matrículas. O número de alunos matriculados em cursos de ciências humanas das universidades federais corresponde a apenas 2%. O ministro comenta, durante a transmissão, que “quem está nos cursos atuais não precisa se preocupar”, pois “seus direitos serão respeitados”.
- Mais de 50 associações se posicionaram quanto ao pronunciamento de Bolsonaro e Weintraub por meio de nota. Segundo o texto, as declarações demonstram “ignorância” sobre o que é estudado nas áreas de Sociologia e Filosofia, além de sua relevância para a sociedade, custos e público. A Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF), uma das representantes da nota, afirma que a maioria dos alunos de humanidades das universidades públicas vem das camadas de renda mais baixa da população, ao contrário do que afirmou o ministro na transmissão ao vivo.
- Um dos principais objetivos dos representantes do governo, ao reduzir investimento na área de humanidades, seria direcionar verba para outras áreas que dêem, de acordo com eles, “maior retorno” para a sociedade. No entanto, os números do Censo da Educação Superior de 2017, do CNPq, do Capes e outros levantamentos mostram que essa verba “extra” não seria tão relevante assim.
- Nos cursos de graduação, apenas 2% dos mais de 1 milhão de alunos das universidades federais cursam filosofia ou sociologia. No mestrado e doutorado, dos 66 programas dessas universidades apenas 2,5% são das duas áreas. Por outro lado, as Engenharias, uma das áreas destacadas por Weintraub como prioritárias, já recebem cerca de 20% do valor total distribuído pelo órgão.
- De acordo com a reportagem do Guia do Estudante, é provável que a verba para pesquisas em humanidades seja sufocada pelo corte de gastos, e não propriamente os cursos. Isso porque “nenhuma instância do governo pode diminuir a oferta de vagas nas universidades, que têm sua autonomia garantida pela Constituição”, conclui o veículo.
- O professor aposentado Amilcar Baiardi, entende a crítica de Bolsonaro aos cursos de ciências humanas em um contexto mais amplo: “Esses dois cursos [de sociologia e filosofia] foram citados como exemplos, mas na realidade há uma preocupação muito mais ampla, na linha de buscar mais eficiência do sistema. E a busca por eficiência passa pela redução do impacto de cursos que não preparam as pessoas para a vida”, afirma Amilcar, que é engenheiro agrônomo com pós-doutorado em história das ciências.
- Para Baiardi, os cursos de humanidades perderam relevância na medida em que não fomentam a criação de um cenário de competitividade e de desenvolvimento. Segundo o professor, “as ciências humanas no Brasil estão afastadas das questões de inovação e focadas demais em pesquisas de gênero, de luta de classe e de etnia, sem apresentar soluções para tais problemas”.
- Outros professores da área de humanidades também se mostraram a favor da redução de investimento anunciado por Bolsonaro e apontaram “aparelhamento ideológico” e a presença dos partidos de esquerda dentro de institutos universitários de cursos de humanas. O professor Ricardo da Costa, da Universidade Federal do Espírito Santo, afirma que existe assédio moral de estudantes e de professores nessas universidades e que “muitos centros [acadêmicos] de humanas estão precaríssimos!” e defende, inclusive, que os reitores dessas instituições deveriam ser chamados a cumprir a Lei que prevê que todo administrador público deve ser responsável pela conservação do patrimônio.
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- Apesar de o Japão ter sido usado como exemplo para justificar o corte orçamentário em cursos de ciências humanas declarado pelo ministro da educação brasileiro, recentemente o governo japonês decidiu voltar a promover ciências humanas e sociais em sua nova política de ciência e tecnologia, que será implementada a partir de 2020.
- Em 2014, o primeiro ministro do Japão defendeu que “em vez de aprofundar pesquisas acadêmicas que são altamente teóricas, vamos conduzir uma educação mais prática e vocacional, que antecipa melhor as demandas da sociedade”.
- Em 2015, o Ministério da Educação, Cultura, Esportes, Ciência e Tecnologia do Japão enviou uma carta às universidades públicas que passassem a fazer melhor uso dos recursos governamentais para satisfazer as necessidades do país. A carta afirmava que, se necessário, as universidades poderiam modificar ou até mesmo abolir os departamentos de ciências sociais e humanas para economizar verba.
- Pesquisadores afirmam, de acordo com reportagem do jornal O Globo, que o governo no Japão optou por retomar o apoio público às ciências humanas e sociais até 2020. Isso porque “pesquisas em áreas como inteligência artificial, mudanças climáticas e ciências biológicas criaram uma necessidade crescente de estudos sobre como esses avanços afetarão a sociedade e as pessoas que nela vivem”.