A homofobia deve ser tipificada e criminalizada? Cabe ao STF decidir?
ENTENDA
- Atualmente, a homofobia e a transfobia não constam na legislação penal brasileira. Diferentemente de discriminações relacionadas à cor, religião, raça e origem, a comunidade LGBT+ brasileira praticamente não possui nenhum amparo legal contra possíveis agressões.
- Embasados no artigo 5º da Constituição Federal, que determina que qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais seja punida criminalmente, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Intersexos (ABGLT) e o Partido Popular Socialista (PPS) moveram duas ações pois acreditam que os ataques homofóbicos e transfóbicos não estão recebendo a devida atenção do Poder Público brasileiro. “Queremos igual proteção penal. Se você criminaliza alguns tipos de opressão e não outras, passa uma ideia sinistra de que são menos relevantes. Não se pode hierarquizar opressões” – afirma o advogado responsável pelas ações.
- Para os autores, levar a questão ao Supremo Tribunal Federal (STF) é uma maneira de superar a “pura e simples má vontade institucional” dos legisladores do Congresso Nacional que, segundo a ABGLT, não se movimentam em prol da criação de um projeto de lei que vise à criminalização da homofobia. Apesar de a discussão ter chegado ao STF em fevereiro deste ano, houve quem se posicionasse de maneira contrária em relação ao fato do Supremo estar legislando nesse caso. O advogado-chefe Advocacia-Geral da União (AGU), André Mendonça, enfatiza que “a AGU defende que a Constituição atribuiu com exclusividade ao Congresso Nacional a competência para definir a respeito da criminalização ou não da homofobia”.
- Grupos religiosos como a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) defendem que os casos de violência contra homossexuais devem se enquadrar a tipos penais já existentes como homicídio, lesão corporal ou difamação. Além disso, acreditam que uma lei que criminaliza a homofobia poderá cercear a liberdade de expressão e de culto – “quem defende sua fé e a composição de uma família hétero não pode expressar sua opção e razões?” – questiona Walter Silva, representante da Frente Parlamentar da Família e Apoio à Vida.
- Segundo levantamento da ABGLT, 43 países possuem crimes específicos para o caso e/ou configuram como agravante de penas comuns.
- Em julgamento realizado pelo STF, quatro ministros já votaram para decidir se deve haver ou não uma lei que criminalize a homofobia. Os quatro votos computados até então foram favoráveis à criação de uma nova lei.
- Os quatro ministros que já votaram entendem a homofobia como um tipo de racismo e defendem, portanto, que até que uma lei específica seja criada, ataques homofóbicos devem ser enquadrados na Lei de Racismo.
- O STF afirma que punir a homofobia não cerceará a liberdade de expressão e nem de culto de grupos religiosos. Apenas pregações religiosas feitas com o objetivo de ofender indivíduos ou grupos que propaguem discurso de ódio contra LGBTs, segundo o órgão, serão passíveis de punição. De acordo com os ministros, “os padres e pastores vão poder continuar pregando sua doutrina, mesmo nos casos em que os textos sagrados pregam de forma contrária à orientação sexual LGBT”.
- Grupos contrários à criminalização da homofobia afirmam que a nova lei poderia cercear a liberdade de expressão e de culto de comunidades religiosas que condenam a homossexualidade. Além disso, acreditam que os dados existentes são controversos e suscitam dúvidas.
- As pressões contrárias à criminalização da homofobia tem como principais argumentos a impossibilidade do STF em legislar, dado que esta é, originalmente, a função do Congresso. Segundo o advogado da Advocacia-Geral da União, André Mendonça, determinar o que é crime ou não é uma atribuição exclusiva do Poder Legislativo.
- Segundo a Frente Parlamentar Mista da Família e Apoio à Vida do Congresso e seus advogados, não existe omissão do Congresso Nacional à pauta. De acordo com o grupo, o tema vem sendo debatido há anos, porém, em desacordo com as opiniões do autores dos processos que estão atualmente no STF.
- O advogado-geral da República, André Mendonça, ainda defende que os atos considerados como homofóbicos podem ser enquadrados em outras condutas criminais já previstas no Código Penal. Para ele, o processo tem objetivo de afirmar o que já está prescrito na Constituição.
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- Em coluna publicada no site da revista Carta Capital, Maurício Moraes se posiciona a favor da demanda sobre a criminalização da homofobia no Brasil, mas questiona se a prisão é mesmo o melhor caminho para agressores. O jornalista se refere ao estacionado – e barrado pelos deputados da bancada evangélica – Projeto de Lei 112/2006, que prevê punição de até cinco anos de cadeia para aqueles que praticarem crimes de injúria, humilhação e agressão verbal contra LGBTs.
- Segundo ele, “em vez de buscar uma lei que mande homofóbicos para a cadeia, […] devemos partir para uma política mais palpável, buscando inserir a discussão de gênero nas escolas”. Moraes se diz contra a criminalização da homofobia feita com “exagero punitivista”, prevendo cadeia para todo tipo de injúria. Ele acredita que a prestação de trabalho comunitário em espaços que combatam a intolerância, por exemplo, seria mais produtiva.
- Maurício conta que durante o período em que foi Secretário de governo de Araçoiaba da Serra (SP), moveu esforços para inserir, na grade optativa do curso de formação anual da rede municipal de professores, uma oficina sobre como trabalhar o bullying sexual nas escolas. Moraes conta que a palestra foi muito bem recebida pelos docentes e conclui: –”falar sobre questões de gênero nas escolas é mais fácil do que pensamos. Para a as crianças de hoje, gostar de homem ou de mulher é só um detalhe. O preconceito é historicamente construído”.
- Nós, do Oppina, buscamos traçar um paralelo entre a lei que vem tomando forma e a Lei Maria da Penha. Tomando como referência este artigo, a legislação que combate a violência doméstica dá aos homens o papel principal na erradicação da violência de gênero, estabelecendo o comparecimento deles aos programas de recuperação e reeducação nas unidades de atendimento aos agressores. O entendimento do artigo em questão está alinhado com o argumento de Maurício Moraes sobre possíveis “exageros punitivistas” acabarem não trazendo soluções efetivas.